Não é de hoje que o estamento militar brasileiro se vê — ou se coloca — como uma casta à parte da sociedade civil. Desde os tempos imperiais, essa divisão está presente, como se a farda lhes concedesse um lugar de superioridade moral ou institucional. Talvez o poder das armas alimente essa visão.
Mas os tempos mudaram. E agora, de forma inédita, vemos altos oficiais das Forças Armadas figurando no banco dos réus. Estão sendo investigados e interrogados por suas atuações — ou omissões — na tentativa de golpe que culminou na destruição das sedes dos Três Poderes, no fatídico 8 de janeiro. E até agora, é bom lembrar: nenhum herói foi criado. Nenhum Tiradentes surgiu do movimento. Todos estão no mesmo barco, tentando não afundar.
Durante os interrogatórios no STF, o que se viu foi um verdadeiro jogo de empurra. Cada um dos envolvidos procurou se esquivar das acusações da forma que pôde. É importante dizer que todos tiveram seus direitos respeitados. Como prevê a lei, inclusive, tinham o direito de permanecer em silêncio.
Quem decidiu usar esse direito ao máximo foi o general Augusto Heleno. Em silêncio diante das perguntas do ministro Alexandre de Moraes — que atuou a partir de questionamentos do procurador-geral Paulo Gonet —, respondeu apenas ao seu próprio advogado. Um gesto simbólico, talvez, de autopreservação. Um direito, sim. Mas também uma escolha com peso político.
Aliás, o respeito aos direitos dos réus nesta investigação contrasta fortemente com o que vimos no passado recente. Lembram da Lava-Jato? O ex-presidente Lula foi desrespeitado, intimidado e ameaçado de prisão. Tudo sob o comando de um juiz e um procurador federal — Moro e Dallagnol — que, como sabemos hoje, trocavam mensagens e “combinavam o jogo”.
De volta aos interrogatórios atuais, foi quase cômico — se não fosse trágico — ver militares trocando farpas entre si, numa tentativa quase desesperada de se livrar da culpa e deixar os colegas de travessia “sem coletes salva-vidas”. Cada um tentando proteger o próprio pescoço sem se importar que alguém da “tropa” fosse lançado ao mar.
Mas o grande momento aguardado era o depoimento do réu e ex-presidente da República, Jair Bolsonaro. Tenso no início, falou sem parar. Aos poucos, foi se acalmando e tentando se desvencilhar das acusações. A estratégia foi clara: jogar a responsabilidade nas costas de seus apoiadores, aqueles que passaram mais de dois meses acampados em frente a quartéis pelo país, esperando alguma decisão, mas nada acontecia. Só promessas. Aliás, naquele acampamento era comum a presença do então vice-presidente da República General Braga Neto incentivando “os malucos” a permanecerem por lá. Lembram das 72 horas?
Em tom irônico, Bolsonaro disse que “uns malucos” pediam a volta do AI-5, mas que, ao perguntar se sabiam o que era isso, ninguém conseguia responder. Tentou, mais uma vez, parecer alheio aos atos que claramente se alimentaram de seu discurso e de sua omissão.
A verdade é que a história está sendo escrita — e os capítulos atuais trarão consequências duradouras. Pela primeira vez, a farda não blindou. E a Justiça, aos poucos, vai mostrando que a democracia brasileira, apesar dos abalos, segue de pé.